Definição

Definir uma arte que seja pública obriga a considerar as dificuldades que rondam a noção desse conceito. Em sentido literal, seriam as obras que pertencem aos museus e acervos, ou os monumentos nas ruas e praças, que são de acesso livre. Nessa direção, é possível acompanhar a vocação pública da arte desde a Antigüidade, lembrando de obras integradas à cena cotidiana - por exemplo, O Pensador, de Auguste Rodin (1840 - 1917), instalado em frente do Panteão em Paris, 1906 - e de outras mais diretamente envolvidas com o debate político. O projeto de Vladimir Tatlin (1885 - 1953) para um monumento à Terceira Internacional (1920) e o Memorial de Constantin Brancusi (1876 - 1957), 1937-1938, dedicado aos civis romenos que enfrentaram o Exército alemão em 1916, são exemplos disso. O muralismo mexicano de Diego Rivera (1886 - 1957) e David Alfaro Siqueiros (1896 - 1974) pode ser considerado um dos precursores da arte pública em função de seu compromisso político e de seu apelo visual.


O sentido corrente do conceito refere-se à arte realizada fora dos espaços tradicionalmente dedicados a ela, os museus e galerias. Fala-se de uma arte em espaços públicos, ainda que o termo possa designar também interferências artísticas em espaços privados, como hospitais e aeroportos. A idéia geral é de que se trata de arte fisicamente acessível, que modifica a paisagem circundante, de modo permanente ou temporário. O termo entra para o vocabulário da crítica de arte na década 1970, acompanhando de perto as políticas de financiamento criadas para a arte em espaços públicos, como o National Endowment for the Arts (NEA) e o General Services Administration (GSA), nos Estados Unidos, e o Arts Council na Grã-Bretanha. Diversos artistas sublinham o caráter engajado da arte pública, que visaria alterar a paisagem ordinária e, no caso das cidades, interferir na fisionomia urbana, recuperando espaços degradados e promovendo o debate cívico. "O artista público é um cidadão em primeiro lugar", afirma o iraniano Siah Armajani (1939), radicado nos Estados Unidos.

A arte pública deve ser pensada dentro da tendência da arte contemporânea de se voltar para o espaço, seja ele o espaço da galeria, o ambiente natural ou as áreas urbanas. Diante da expansão da obra no espaço, o espectador deixa de ser observador distanciado e torna-se parte integrante do trabalho (nesse sentido, difícil parece algumas vezes localizar os limites entre arte pública e arte ambiental). O contexto artístico que abriga as novas experiências com o espaço refere-se ao desenvolvimento da arte pop, do minimalismo, do pós-minimalismo e da arte conceitual que tomam a cena norte-americana a partir de fins da década de 1960, desdobrando-se em instalações, performances, arte processual, land art, graffiti art etc. Essas novas orientações partilham um espírito comum: são, cada qual a sua maneira, tentativas de dirigir a criação artística às coisas do mundo. As obras articulam diferentes linguagens - dança, música, pintura, teatro, escultura, literatura etc. -, desafiando as classificações habituais, colocando em questão o caráter das representações artísticas e a própria definição de arte. Interpelam criticamente o mercado e o sistema de validação da arte, denunciando seu caráter elitista.

A land art figura entre os exemplos associados à arte pública. O espaço físico - deserto, lago, canyon, planície e planalto - apresenta-se como campo onde os artistas realizam grandes arquiteturas ambientais como, por exemplo, Double Negative [Duplo Negativo] (1969), de Michael Heizer (1944), Spiral Jetty [Pier ou Cais Espiral] (1971), de Robert Smithson (1938-1973), e The Lightning Field [O Campo dos Raios] (1977), de Walter de Maria (1935). As obras de Alice Aycock (1946), A Simple Network of Underground Wells and Tunnels (1975), e de Mary Miss (1944), Untitled (1973), têm outra escala: são instalações postas no ambiente natural que procuram integração entre os materiais - madeira no caso - e o entorno. As obras de Richard Long (1945) acompanham os passos e o olhar do caminhante (Walking Line in Peru, 1972). Em Christo (1935), por sua vez, novas soluções arquitetônicas são obtidas pelo empacotamento de monumentos célebres, como o da Pont Neuf, em Paris, 1985, ou pela ação sobre a natureza (Valley Curtain, 1972).

O espaço das cidades é explorado pela arte pública de modos distintos. Alguns projetos artístico-arquitetônicos associam-se diretamente aos processos de requalificação do espaço urbano e contam com a participação da população local em sua execução (na Inglaterra, por exemplo, o trabalho de Eileen Adams na Pembroke Street Estate, Plymouth). Outros planos de renovação de centros urbanos se beneficiam de obras de artistas de renome. A encomenda feita a Alexander Calder (1898 - 1976) pelo NEA é uma delas. Se o trabalho de Calder, instalado na região central de Grand Rapids, Michigan, 1969, conhece acolhida imediata da população, outra foi a reação mobilizada pelo Tilted Arc (1981), de Richard Serra (1939) -gigantesca "parede" de aço inclinada que toma conta da Federal Plaza, em Nova York -, retirada do local em 1989, em função dos sucessivos conflitos entre o artista e a opinião pública. Exemplos de projetos e obras que lidam com a cidade como espaço de intervenção podem ser encontrados na escola californiana de Los Angeles - Robert Irwin (1928), James Turrell (1943), Maria Nordman (1939) e Michael Asher (1943) -, que realiza um trabalho sobre as construções urbanas com utilização de fontes luminosas artificiais. A instalação permanente de Daniel Buren (1939) em frente do Palais Royal, em Paris, e a intervenção coletiva no Battery Park City em Manhattan, envolvendo arquitetos e artistas como Armajani e M. Miss, exemplificam outras direções tomadas pela arte pública. Uma alternativa aos financiamentos governamentais é proposta por um grupo de artistas - entre eles Gordon Matta-Clark (1943 - 1978), Richard Landry (1938) e Tina Girouard (1946) - que, em 1971, abrem o restaurante Food, como forma de viabilizar projetos de arte pública (por exemplo Splitting, 1974, de Matta-Clark).

No Brasil, é possível pensar em arte pública por meio de iniciativas individuais de artistas. Na década de 1960, as manifestações ambientais de Hélio Oiticica (1937 - 1980), com suas capas, estandartes, tendas, parangolés, uma sala de sinuca (1966) e Tropicália (1967, ambiente labiríntico composto de dois Penetráveis associados a plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de parangolé e um aparelho de televisão) podem ser tomadas como exemplos de produção artística que interpela a cena pública. Na década de 1970, podem ser lembradas as intervenções na cidade realizadas por Antonio Lizarraga (1924) em parceria com Gerty Saruê (1930), cujo primeiro resultado é Alternativa Urbana. A obra, definida pelos autores como peça de "engenharia urbana", é composta de 28 toneladas de vigas prismáticas de cobertura (fabricadas pela Sobraf), pintadas com faixas azuis, pretas, brancas e vermelhas, cortadas por um desenho geométrico. A proposta liga-se à interação do público com a obra e à idéia de que a arte deve ser "utilitária". Este projeto primeiro está na origem de um projeto coletivo, liderado pelo arquiteto Maurício Fridman (1937). A rua Gaspar Lourenço, na vila Mariana, São Paulo, é escolhida como cenário: o beco é pintado de branco com figuras negras representando as fases da evolução humana; a escadaria, também branca, leva uma lista azul e panos coloridos; os muros, recobertos com letras, números, linhas e bolas coloridas que tomam a calçada. A experiência na rua Gaspar Loureiro, aponta Annateresa Fabris, "confirma a vocação urbana do trabalho de Lizarraga".

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